quarta-feira, 1 de junho de 2011


 

Gert Schinke – junho de 2011

UM SONHO PSICOGRAFADO

Atentos à necessidade de atualizar o Código Florestal Brasileiro, altos dirigentes dos partidos de esquerda iniciaram um profícuo debate assim que Lula sentou na cadeira de presidente. Depois de dezenas de debates em todo Brasil, ouvidos todos os setores envolvidos, parlamentares da famosa “Frente Popular Em Defesa Da Natureza do Brasil” produziram um relatório quase irretocável, introduzindo inúmeras melhorias que se fizeram necessárias ao velho texto de 1965, gerado em plena ditadura militar. Todas, porém, mais restritivas no que dizia respeito à defesa da natureza e, ao mesmo tempo, garantindo enormes avanços ao homem do campo, especialmente para a agricultura familiar. Todo esse fervoroso empenho que envolveu quase todos os partidos, mas especialmente os partidos do campo de esquerda capitaneados pelo PT que elegeu o presidente operário, trouxeram uma enorme esperança à sociedade brasileira e internacional, pois finalmente algo de positivo acontecia em meio ao tenebroso cenário de constante devastação das florestas, mangues, cerrados e tudo mais ao alcance das implacáveis moto-serras, tratores com os correntões e o fogo de costume.

Lula, que já havia dado umas trinta voltas ao mundo ao longo do primeiro mandato com o Aerolula, com o que viu lá fora parecia convicto de que o país deveria preservar suas maiores qualidades e riquezas para seu próprio povo, e falava exaltado com o dedo em riste e verve povão na defesa dos bichos de todos tipos, lagartixas, sapinhos, especialmente os bagres que dizia amar, granjeando a simpatia da meninada. Começou seu segundo mandato marcando-o claramente como “verde” em tudo. Acabou com a impunidade no campo e das quadrilhas de bandidos e corruptos nas cidades reformando o Código de Processo Penal; criou centenas de novas Unidades de Conservação Federais por todo país e implantou o SNUC de fato e de direito; fez a sonhada reforma agrária dando total assistência aos assentamentos com agroecologia de primeira; fez uma vasta reforma política que, entre outras coisas, acabou com o financiamento privado de campanhas eleitorais; acabou com o programa nuclear brasileiro e começou a desmontar Angra I e II. Na esfera internacional não deixou por menos: brigou por um acordo mundial para diminuir o aquecimento global e salvar as florestas, entre outras eco-bandeiras importantes, o que lhe deu ainda mais prestígio e fama como mandatário. No meio do caminho sobrou para a dupla “SS”: O Sarney parou no Amapá em prisão domiciliar e o Suplicy virou Presidente do Congresso Nacional. E o melhor de tudo parecia ser o desempenho da economia: o país crescia com fértil avanço no IDH, muita comida orgânica na barriga do povo, energia sobrando até para vender a toda América Latina, inclusive abrindo mão da construção de Belo Monte e de outras grandes hidrelétricas na Amazônia.

O relatório final do anteprojeto vinha assinado por um antigo militante de esquerda que acumulava uma longa história na defesa das transformações sociais, lutou contra a ditadura militar e esmerou-se em defender, ao longo do processo de discussão, uma visão ecológica afinada como a que a sociedade e o mundo todo clamavam. Quando, finalmente, o projeto entrou em votação no Congresso, o país respirava o ar da vitória do bom senso, de uma virtual harmonização da grande economia com a mãe-natureza, de uma proposta que pela primeira vez, depois de décadas de desenvolvimentismo eco-rapinador colonial e entreguista, conseguiria colocar o Brasil no rumo de outro modelo de desenvolvimento, aquele pelo qual tanto se batiam as forças de esquerda no país depois da era do “progresso a todo custo” da ditadura – do Brasil do “ame ou deixe-o”. O texto marcava uma clara mudança de atitude de governo, agora voltado para oferecer um futuro melhor para as futuras gerações.

No dia da votação, o Brasil parou para acompanhar em Brasília o que seria uma acachapante vitória das esquerdas sobre o, até então, trator dos grandes grupos econômicos do agronegócio abraçado com a grande indústria química multinacional, de equipamentos pesados, do transporte rodoviário, do petróleo, das máfias das commodities, dos atacadistas de alimentos. As galerias da Câmara dos Deputados se encheram de gente de todo país, exalando alegria por todos os lados, gritando cadenciadas palavras de ordem em torno da defesa da natureza, vestidos de tudo o que é tipo de cores, um arco-íris que juntava desde índios até pequenos agricultores familiares, ambientalistas de todos os matizes, intelectuais, artistas e lutadores sociais que se solidarizavam com a proposta que faria o país enveredar na “eco-modernidade” tão sonhada com a chegada do século XXI. Já na antevéspera da votação, as praças estavam cheias de gente ostentando bandeiras multicoloridas, mas com claro predomínio de tons vermelhos e amarelos característica cenográfica das grandes manifestações populares que levaram Lula e o PT ao poder. No dia da decisão o país parou para acompanhar tudo no melhor estilo “Brasil em final de copa do mundo”.

O PT, partido do presidente e dono da maior bancada no Congresso, havia se empenhado fervorosamente há meses para aglutinar a base aliada e produzir, junto com o PV, PCdoB, a banda progressista do PMDB, PSB, PSOL e outros partidos pequenos, uma articulação política imbatível para que a votação garantisse uma vitória tranqüila sobre a contraproposta ruralista capitaneada pelas forças de direita, tendo à frente o DEM, PSDB, PP, a banda podre do PMDB, partidos de aluguel, bloco sob a condução da reacionária CNA e outras entidades ligadas ao agronegócio exportador. Uma das figuras que se destacou na articulação política no Congresso foi o Ministro da Casa Civil, Palocci, que, embora tardiamente convertido para as causas ecológicas do seu eco-guru Lula, bateu o punho na mesa e nada cedeu à chantagem dos partidos da base aliada sobre o governo na adjeta barganha por cargos na esplanada e companhias estatais Brasil afora. “Acabou a mamadeira”, dizia. Em Campinas já era aclamado como herói e ganhava até nome de praça em vida. Surgia o “eco-palocismo”.

Apurada a votação do projeto de lei, fez-se o resultado já esperado sob a égide de um governo de esquerda, transformador, de caráter progressista, e identificado com o clamor do povo mobilizado na rua em torno dos avanços populares para construir um país melhor para as futuras gerações. O presidente da Câmara, ex-sindicalista, anunciou eufórico o resultado com voz embargada: 351 votos a favor da proposta do Código Florestal ecológico, 117 votos contrários da direita ruralista, e alguns poucos em branco. Deu 3 pra 1: três para a natureza, um para o negócio da moto-serra e do trator. O plenário veio abaixo e as galerias ovacionaram os parlamentares em meio a palavras de ordem, abraços e choros sinceros. Nunca se viu, passados muitos anos “nesse país”, como costumava dizer o presidente que a tudo assistia atentamente pela televisão no Alvorada, tanta comemoração quanto naquela noite. Era a pura expressão da felicidade geral tão almejada por uma geração que por várias décadas lutou contra a ditadura, contra o atraso cultural e político, a escravidão no campo e na cidade, a exploração do povo trabalhador, o preconceito, o cerceamento à liberdade de expressão, o cenário da terra arrasada por todo lado. Lá estava eu também com o lenço junto aos olhos tentando registrar na memória aqueles mágicos momentos. Inesquecíveis momentos.

PRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRIIIIIIIIIMMMM....

Quando acordei, recobrando a consciência, deparei-me com o PESADELO da vida real.

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