quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A VÍTIMA E O COMUNISTA



A VÍTIMA E O COMUNISTA

O conflito em torno da revisão do Código Florestal Brasileiro levanta discussões paralelas de caráter exótico, no mínimo. Quando um parlamentar de um partido “comunista” (pelo menos no nome), se alia ao que existe de mais retrógrado em matéria de política no Brasil, é preciso levantar as sobrancelhas de espanto. Mas vejamos, nem tanto, pois se nos ativermos ao que praticaram os partidos comunistas clássicos quando no poder, podemos entender o porquê de tamanha afinidade de propósitos dessa corrente ideológica com o serpentário ruralista. Não se trata aqui de distinguir entre modo de produção – capitalista X comunista (espécie extinta com a débâcle da URSS), mas de verificar que tanto um quanto o outro modelo tecno-produtivo, pregam o modelo desenvolvimentista tecnocrático desenfreado e ecologicamente insustentável. O “modo de produção soviético”, com seu sistema de planejamento centralizado da produção, decidia suas metas em torno de uma mesa de obedientes burocratas no Kremlin, tipo de “democracia socialista” que dispensa comentários, pois antítese da almejada democracia e do socialismo. Os legados ambientais, entre outros resultados discutíveis, ao longo dos setenta anos em que vigorou a “ditadura do nomenklatura” constituem o maior menu de desastres ambientais já perpetrados pela humanidade até o presente momento, onde Chernobyl figura apenas com um miúdo símbolo atômico de passado mais recente. Acabaram com o Mar de Aral, com milhões de quilômetros quadrados de terras contaminadas com radiação nuclear e química resultante das provas de armas nucleares e químicas e da hiperdimensionada indústria agroquímica, legado para entertainment das próximas (centenas de) gerações. Na “exuberante” esfera capitalista, sucedeu-se o mesmo, ainda que não com tanta intensidade, pois por essas plagas ocidentais havia vozes que podiam falar e alertar, o que mitigou o impacto de muitos desastres ecológicos. Não é por acaso, portanto, que todo “comunista de carteirinha” (do tipo stalinista, bem entendido) prega o desenvolvimentismo a qualquer custo e só se dobra às questões ecológicas em função de uma oportuna concessão ao inexorável reparo tecno-científico que o sistema proverá logo mais adiante, tese que ele mecanicamente também “atribui” a Marx. Pobre Marx. O tal deputado federal comunista de São Paulo, cujo nome agora figura nas manchetes de toda mídia nacional e internacional, é mais um desses exemplos de quadros políticos produzidos por um setor da velha esquerda anacrônica que ainda resiste a um up-grade ideológico e que vive acoplada ao modelo de desenvolvimento do agronegócio, da centralização, do binômio bandeirante “gado-fogo”, ultrapassado técnica, social, política e ecologicamente. É essa visão comum que cola um “comunista” (de credo pseudo-marxista) a Kátia Abreu, a birrenta barbi sertaneja (de presumível credo pré-capitalista), presidenta da CNA, vociferando contra os pequenos agricultores, a agroecologia, contra tudo o que representa democracia e participação social, contra a compreensão de urgência por alterar o rumo do nosso desenvolvimento antes que a barca afunde de vez. Colocam o “produtor rural” (como se todos fossem fazendeiros de sesmarias) como “vítima da legislação ambiental”, quando em realidade nós (e toda a natureza aviltada) é que somos vítimas de suas históricas práticas antiecológicas. Operam clara inversão dos papéis: o sujeito dribla a lei, passa um tempo, e depois diz que é vítima da lei. Portanto, tem que mudar a lei, e não o comportamento do sujeito infrator. Já não conhecemos esse “jeitinho” tipicamente nacional? Invasões de parques naturais, dos mais diversos tipos de áreas públicas, grilagens, etc, etc... Do cotidiano: O sujeito invade um parque, finca pé por algumas décadas, depois quer que mude o limite do parque, simples assim a “lei de Gerson”. Mas nesse caso, há um pequeno detalhe que faz toda diferença sobre a “pobre vítima invasora de parque”: não se trata de afetar a existência de um km2 de APP, mas de milhões de quilômetros quadrados de florestas nativas, cujas implicações são imensuráveis ao longo do tempo de espaço, dimensão de lesa-pátria, lesa-natureza, lesa-humanidade, lesa-planeta, na contramão do que o mundo de hoje precisa com urgência. Com esse perfil de “esquerda”, o agora famoso deputado toca a melhor sinfonia para a direita. Mas o tempo conta a nosso favor para separar esse joio do trigo. Para consolo diante do escárnio, pelo menos temos uns poucos Ivans Valentes para desmascarar a diabólica aliança entre as “pobre vítimas” e seu aliado - o falso comunista.

O texto abaixo, não poderia ser mais oportuno, pois vêm ao encontro do que acabo de dizer, ressalvadas as precauções necessárias quanto às demais posições políticas e ideológicas do colunista.

 Nossa esquerda direitista

        Nelson Motta – Estadão – 04.06.10

Ainda estou chocado com a pesquisa do Datafolha sobre a ideologia dos brasileiros: 35% dos entrevistados que se disseram petistas, por livre vontade e protegidos pelo anonimato, se declararam de direita. Como? Vamos tentar investigar esta peculiaridade política brasileira.
Sim, as pessoas sabiam o que estavam falando, tanto que 25% responderam que não sabiam ou não queriam responder. As demais estavam seguras de suas opções e se dividiram entre esquerda, direita e centro, inclusive os petistas.
O lulismo não foi oferecido como opção, mas certamente teria muitos eleitores de todos os partidos, e nós, um peronismo tropical.
Zé Dirceu, que diz que tudo que não é de esquerda de direita é, tem um dilema: como culpar a direita por tudo sem ofender tantos companheiros?
Com alguma fantasia e ironia, é possível imaginar que os entrevistados petistas fossem tão politizados que tenham se posicionado ideologicamente ? mas em relação às correntes do partido, umas mais à esquerda e, por consequência, outras mais à direita, como a de Zé Dirceu.
Ou seria uma parte autoritária e impetuosa do PT, que se identifica com os métodos do stalinismo e do fascismo? Se acham de esquerda, mas adotam o comportamento totalitário que atribuem à direita. São aloprados ideológicos.
Outra interpretação, tola, seria que os entrevistados se disseram de direita porque confundiram com direito, como oposto de errado. Ou a teoria de Tim Maia, politizando a clássica frase "No Brasil, prostituta goza, traficante cheira, cafetão tem ciúmes ? E pobre é de direita."
Como dizia Zé Dirceu nos anos 60, "é preciso conscientizar as massas". Deve ser devastador aceitar que 2/3 dos brasileiros não querem saber da esquerda, por mais nobres e generosas que sejam as suas intenções. O pior é que alguns ainda vivem na ilusão de que todo mundo que se opunha à ditadura era de esquerda.
Mas talvez Leonel Brizola possa explicar. Na campanha presidencial de 1994, num comício no Paraná, com 4% das intenções de voto e a três dias da eleição, bradou do palanque: "Não acreditem nas pesquisas. O povo está só despistando?"

 

Devemos melhorar o código, não desfigurá-lo.

A proposta do novo Código Florestal Brasileiro, caso aprovada e posta em prática, representará o pior retrocesso ambiental dos últimos 45 anos da história do País.

Jean Paul Metzger, Thomas Lewinsohn, Carlos Joly e Danilo Boscolo* - O Estado de S.Paulo – 08.06.10

Uma revisão do Código Florestal Brasileiro é desejável, desde que ele se torne mais eficiente para cumprir seu objetivo maior: conservar a integridade dos ecossistemas nativos brasileiros. A revisão deve ser baseada em todo o conhecimento científico relevante e em análises isentas. Não é essa, porém, a base das mudanças propostas.
O principal argumento para alterar o Código Florestal Brasileiro é que, em sua forma atual, ele bloqueia a expansão do agronegócio e coloca na ilegalidade boa parte dos produtores rurais. O que não é verdade. O relatório busca resolver uma suposta escassez de terras agricultáveis no Brasil, flexibilizando as restrições atuais, mas a um custo altíssimo: engendra a ampla legalização do corte de florestas, cerrados e outras vegetações brasileiras, o que provocará a maciça extinção de espécies e um aumento nas emissões de carbono do País. Isso contraria as posições e compromissos ambientais do governo brasileiro quanto à conservação de biodiversidade e redução de emissões.
Pela proposta, delega-se aos Estados a definição das Áreas de Preservação Permanente (APP), além de incorporá-las às Reservas Legais (RL) das propriedades rurais. O envolvimento de esferas decisórias e agentes locais na implementação da legislação em cada Estado ou município é desejável, mas compete ao código federal estipular critérios mínimos para as APP, a serem respeitados em todo o território nacional, para que se reduzam grandes tragédias, como as enchentes e os deslizamentos ocorridos no último verão.
As RL, por sua vez, têm função própria e distinta das APP. Diferentemente de representar uma penalização para o cultivo, tais reservas contribuem substancialmente para os serviços ecossistêmicos, pois aumentam a qualidade, a produtividade e a longevidade das áreas cultivadas e reduzem sua degradação, garantindo, por exemplo, a disponibilidade de agentes polinizadores naturais, os quais podem reduzir os custos de produção de frutas e de grãos.
A liberação nas RL do cultivo de espécies exóticas, como o dendê ou o eucalipto, perverterá sua finalidade e eficiência ambiental. Do mesmo modo, a proposição de permitir a transferência das RL de cada propriedade para áreas remotas abre espaço para intercâmbios de conveniência, expondo regiões extensas à exploração intensiva, sem qualquer proteção ambiental.
O Código Florestal Brasileiro deve, sim, ser atualizado e aperfeiçoado. Sua flexibilização criteriosa, por exemplo, pela redução das RL das pequenas propriedades na Amazônia, é importante para conciliar as demandas da produção agrícola com a preservação, o manejo e a restauração ambientais. A comunidade científica brasileira que melhor conhece essas questões foi pouco consultada e menos ainda ouvida.
Por isso, em vez de representar um instrumento avançado de integração e conciliação, a proposta do novo Código Florestal Brasileiro, caso aprovada e posta em prática, representará o pior retrocesso ambiental dos últimos 45 anos da história do País.


*PESQUISADORES DA USP, UNICAMP E UNIFESP, ESPECIALISTAS EM ECOLOGIA E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

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